sábado, janeiro 13, 2007

Diário do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque.

Este post é dedicado a um senhor que pretende erguer uma das bibliotecas de maior orçamento na história nos Estados Unidos e contratar centenas de académicos para reescreveram a (sua) História. E também à sua esposa que se toma por vezes como a rainha do Sabá.

Nota: O sr. G.W. Bush no fatídico dia 11 de Setembro asseverou que iria vingar o perecimento das 2974 pessoas em Nova Iorque. superou esse número ao cobrar a vida de, pelo menos, mais de 3000 soldados americanos no Iraque.
Da meia centena de passageiros sobreviventes à travessia do pioneiro Mayflower seis são ascendentes do sr. Bush, outros sete seus familiares morreram durante a viagem. Isto foi em 1620 e G. W. Bush faz questão de recordar nas celebrações anuais do Mayflower esse episódio. Os do clã dele afiguram-se os altíssimos, já os outros americanos continuam a ser “carne para canhão”.

Traduzi as Últimas entradas do diário de Saad Eskander, Director da Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque.

Sábado, 11 de Novembro de 2006

Saí de Roma para Amã, e no dia seguinte cheguei ao aeroporto internacional de Bagdade. É bem sabido que a estrada, que liga o aeroporto à cidade de Bagdade, é a estrada a mais perigosa no mundo.

Por uma razão da segurança, eu pedi ao taxista que parasse no primeiro ponto de verificação militar, que está a 3 minutos de carro do aeroporto. Não se pode nem deve confiar em quase ninguém, sobretudo taxistas do aeroporto. Mas no ponto de verificação a polícia mandou-me avançar pois suspeitavam de um carro abandonado no local. Segui então no táxi. A estrada estava num estado caótico pois todos tentavam deixar a área do aeroporto, incluindo os polícias e os soldados, que não hesitavam em apontar as suas armas na nossa direcção, quando nosso carro retardou a marcha, a fim de permitir que seus carros passassem.

Eu disse ao taxista para seguir directo para o meu escritório. Minutos depois de deixarmos a via rápida, dois terroristas bombardearam um ponto de verificação da polícia no distrito próximo de al-Yarmook-Yarmook, matando 60 pessoas e ferindo 90 outras. Decidimos seguir outro percurso via o distrito do al-Karradah-Karradah. Logo que entrámos neste distrito dois carros-bombas explodiram matando e ferindo muitos civis. Decidi então não me dirigir ao meu escritório, porque as outras estradas principais também eram extremamente perigosas. Na verdade, no mesmo dia e na área muito concorrida de al-Sa’adun-Sa’adun, mais dois carros-bombas explodiram, matando e ferindo muitas pessoas. Era um sinal de boas-vindas e um regresso à realidade!


Segunda-feira, 13 de Novembro

Neste dia assim que cheguei ao meu escritório recebi logo más notícias. Na minha ausência (9 a 11 de Novembro), o INLA (Iraq National Library and Archive) foi bombardeado duas vezes e muitos vidros das janelas estavam partidos. Felizmente, ninguém foi ferido. Durante o resto da semana tentei aconselhar muitos dos meus funcionários como agirem no dia-a-dia, em face de eles terem recebido ameaças de morte. Nos bairros dominados por xiitas, os sunitas receberam um ultimatum para abandonarem os bairros e vice-versa.

Na minha ausência dois funcionários foram assassinados, um trabalhava no departamento de informática, e o segundo era um guarda. Três dos nossos taxistas, que trabalhavam para nós a contrato, foram assassinados e três outros foram feridos.


Terça-feira, 20 de Novembro

Este foi o meu pior dia do ano.

Assim que meu carro chegou ao edifício principal, ouvi duas grandes explosões. Os extremistas sunitas bombardearam com morteiros a cidade médica e o ministério da saúde. Ambos os edifícios estão a 200 metros da nossa instituição Ouvi uma outra explosão 50 minutos mais tarde. A troca do fogo continuou por uma hora e trinta minutos. O Ministério da Educação foi atacado a semana passada e cerca de 100 dos funcionários foram levados como reféns.

Nadia, uma bibliotecária que trabalha no departamento de informática, não veio hoje trabalhar. Foi-me dito que seu pai foi atingido por uma bala num pé. Eu percorri alguns dos departamentos e falei à minha equipe de funcionários com o intuito de elevar a sua moral.

Às 11 horas recebi uma notícia devastadora. Fui informado que Ali Salih foi assassinado na frente de sua irmã mais nova. Ali era um homem novo brilhante. Eu mandei-o a Florença para receber mais formação em web-design. De volta ele a Nadia começaram a construir e gerir nosso website oficial. Era ele o símbolo da modernização e do processo da reforma da INLA. Eu empreguei-o em Janeiro 2004, como muitos outros novos bibliotecários e arquivistas. Foi um dia muito triste. Todos os outros funcionários ficaram muito consternados e abatidos.

Antes de sair, realizei uma reunião com os chefes de todos os departamentos. Sugeri que para razões da segurança devemos dividir a equipa de funcionários em três grupos. Cada grupo trabalharia somente durante dois dias e que as salas principais da leitura do arquivo e da biblioteca devem, como usualmente, permanecer abertas aos estudantes e investigadores da universidade. Todos concordaram com a minha decisão. Alguns aproveitaram para me aconselhar a sair do país mal pudesse pois tornava-se cada vez perigosa a minha permanência.

Retornei a casa muito deprimido. Abracei o meu filho de 6 messes e lembrei-me que Ali deixou dois filhos, um de seis meses e outros de 3 anos.

Domingo, 10 de Dezembro

A INLA reabriu como planeado. Alguns dos funcionários não puderam comparecer pois as estradas foram bloqueadas pelo exército e pelas forças americanas.

Na terça-feira encontrei-me com o empresário que irá renovar partes do edifício. Concordámos que cada operário teria uma identificação própria para mostrar aos guardas na entrada.

Na quarta-feira tive mais más notícias. Um grupo terrorista atacou a casa de um dos meus funcionários. Ele e um dos filhos foram feridos, enquanto que o outro filho, um médico, foi morto. No mesmo dia encontrei os irmãos de Ali. Disseram-me que Ali resistiu ao grupo de 4 homens que o queriam matar. Conseguiu derrubar dois, mas um atingiu-o com uma arma de fogo numa perna, e de seguida na cabeça, estômago e pescoço. Ali foi deixado na rua a morrer. Nessa manhã a rua até estava muito movimentada, mas ninguém ousou intervir por medo. É muito provável que os assassinos sejam membros de uma das milícias que se introduziram nas forças de segurança.

O nosso maior perigo agora são os snipers. Na Quinta resolvemos mudar o nosso itinerário, como medida de prevenção. Mal chegamos à área de al-Sinak, soubemos que um grupo de terroristas tinha acabado de raptar 40 pessoas. A polícia e os guardas de diversos edifícios governamentais que presenciaram o facto recusaram-se a intervir e os terroristas abandonaram o local sem grandes pressas.


Semana de 16 a 21 Dezembro

A segurança está a deteriorar-se progressivamente na nossa zona. De tempos a tempos diferentes grupos armados atacam civis, casas e edifícios do governo. A maior parte das estradas estão bloqueadas.


Semana de 23 a 28 Dezembro

Mais uma má semana para a INLA

No Domingo soube que Ahmed Salih, um funcionário da biblioteca, que em breve ia deixar Bagdad, foi assassinado na sua casa por terroristas. Estava noivo desde há 2 semanas.

Na Segunda-feira, recebi mais más noticias. O irmão mais velho de Maiadah, que trabalha no Departamento dos Periódicos, foi assassinado por terroristas.

Estamos em época de festividades religiosas e a segurança é pior que nunca. Temos quatro cristãos na nossa instituição. Os dois primeiros, 'A' e 'B', trabalham no Arquivo, o terceiro na Biblioteca e o quarto, 'D' no meu gabinete. Dei-lhes 5 dias de folga para celebrarem o Natal. 'D' apenas usou um. Ela continuou a aparecer mesmo com as estradas cortadas. Aconselhei-a a cobrir a cabeça, quando passasse por áreas perigosas (isto é, controladas por milícias e gangues armados). Ela disse que usava o Hijab há algum tempo para esconder a sua identidade cristã.

Nas ruas de Bagdad, mesmo em frente dos ministérios, sucedem-se tiroteios entre grupos terroristas e os guardas governamentais.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Das Bibliotecas mais contemporâneas do mundo, quer nos equipamentos, quer na filosofia de acção

A revista Business Week na sua página online tem vindo ao longo dos últimos anos a realizar uma massiva eleição das dez maravilhas do mundo moderno nas mais variadas áreas: por temas (obras de engenharia, arquitectura, estruturas e edifícios ecológicos, carros, natureza, etc.), por países, por anos, etc. Contudo constata-se que a revista dá um maior destaque a obras dos Estados Unidos.

Um dos temas escolhidos foram as Bibliotecas. As bibliotecas não foram apenas escolhidas pela arquitectura dos seus edifícios mas também por múltiplos outras aspectos (tecnologias que incorporam, sua filosofa de actuação, serviços inovadores, acesso à informação, etc).

Aceder ao artigo

As bibliotecas escolhidas foram:

  • Biblioteca Alexandrina, Egipto (consórcio Snohetta/Hamz - 2002)
  • Biblioteca Pública de Seattle, EUA (arqtº Rem Koolhaas/OMA - 2004)
  • Biblioteca de Filologia, Universidade de Freie, Berlim (Norman Fostner and Partners - 2005)
  • Biblioteca William F. Ekstrom, Louisville, EUA (arqtos Voelker/Winn - 2000)
  • Biblioteca Pública de Los Angeles – Extensão de Lake View Terrace, EUA (arqtos James Weiner & Fields Devereaux - 2003)
  • Biblioteca e Museu Pierpont Morgan, Nova Iorque, EUA (Gabinete de arquitectura Renzo Piano – 2006)
  • Biblioteca da História da Família – Igreja Mórmon, Salt Lake City, EUA (Arquitectos MHTN em associação com Pfeiffer Partners - 1985)
  • Biblioteca Pública de Ulm, Alemanha (arqtº Gottfried Böhm – 2004)
  • Mediateca de Sendai, Japão (arqtº Toyo Ito - 2000)
  • Biblioteca do Congresso, Washington , EUA (1800)

Não se entende muito bem a escolha da Biblioteca do Congresso, visto ser a sua data de abertura ser algo desfasado relativamente às outras.

Poder ser visualizada num set do Flickr mais fotos que compilei: da Biblioteca Pública de Seattle, da Biblioteca Alexandrina, da Biblioteca da Univ. de Freie, e da Mediateca de Sendai. Para poderem identificar cada uma, em caso de dúvida, observem as tags respectivas.

A propósito, post sobre Biblioteca de Filologia da Universidade de Freie, em Berlim, que publiquei há cerca de um ano "Bibliotecários sem Fronteiras"aquando da inuaguração desta biblioteca.

O artigo da Business Week é constituído por um texto principal e depois para cada biblioteca foi elaborado um texto alusivo realçando as características por que foi escolhida nesta selecção.


Traduzi parte do texto principal da autoria da jornalista americana Helen Walter:

Algumas bibliotecas são modelos de sofisticado design ecológico. Na Biblioteca de Filologia da Universidade de Freie, em Berlim, projectada por Norman Foster, 60% da sua ventilação anual tem origem natural. Por outro lado, a extensão de Lake View Terrace da Biblioteca Pública de Los Angeles é a única biblioteca nos Estados Unidos que foi galardoada com o prémio Platinum LEED (Autonomia energética e design ambiental)

De facto, muitas destas novas e renovadas bibliotecas são, o que se pode chamar, de tecnologia de ponta. A biblioteca William F. Ekstron Library em Louisville, Kentucky, incorpora um designado “Sistema Robótico de Recuperação” que consiste num guindaste que percorre as estantes encontrando o livro solicitado entre 1,2 milhões de volumes e de seguida deposita-o no balcão de empréstimos em poucos minutos.

Lugares de Encontro.
Muitas destas bibliotecas têm experimentado recordes de frequência. Um dos factores que mais concorreu para isso foi a concepção de um sentido de comunidade. A biblioteca não se resume aos livros, DVD´s, computadores. Os arquitectos e designers mais progressistas têm vindo a enfatizar o papel social da biblioteca.

A Biblioteca Pública de Seattle (edifício central) projectada por Rem Koolhaas e seu gabinete OMA é um exemplo modelar. Antes de desenharem o edifício, os arquitectos observaram com muita atenção as diversas actividades organizadas e fomentadas pelas bibliotecas. Descobriram que o acesso aos livros e aos media representava apenas 1/3 das funções da biblioteca, ao passo que quase 2/3 destas actividades reflectiam o papel social da biblioteca para os grupos de leitura, aulas de informática, encenações, debates etc.

Deste modo na Biblioteca de Seattle é enfatizado o potencial de interacção social, oferecendo espaços públicos como uma ampla sala de estar onde os visitantes, os leitores e transeuntes podem casualmente encontrar-se. Para além disso este equipamento não possui conexões a qualquer ideologia, raça ou credo induzindo a participação o mais pluralista possível.

Paralelamente foi adoptado um arrojado design nos espaços, incluindo uma inovadora espiral de livros, uma longuíssima rampa onde os livros são alinhados pela classificação de Dewey. As autoridades ainda tiveram algumas reticências relativamente ao audacioso anteprojecto da Biblioteca, mas até foram os bibliotecários que se colocaram mais na linha da frente defendendo a sua concretização.

A sociabilidade assume-se cada vez mais como uma aspecto essencial na concepção dos espaços da biblioteca. Anteriormente esta era um espaço bastante silencioso e deveras povoado de estantes, mas entretanto a biblioteca tornou-se um espaço mais activo, mais ruidoso, onde se misturam as áreas de passagem, de convívio, lazer e de leitura.

Numa era gizada pelo acesso à informação e pelas redes sociais (mais reais ou mais virtuais) as bibliotecas podem assumir maior relevância que nunca.


As fotos aqui reproduzidas são do artigo.
(esq.: Biblioteca P. Seattle / dir.: Biblioteca Univ. Freie)

terça-feira, janeiro 02, 2007

"Los Lugares que Ocupa el Saber" / "Os Lugares que o Saber Ocupa" - Diogo Pires Aurélio

LOS LUGARES QUE OCUPA EL SABER


Diogo Pires Aurélio, 2004
(anterior Director da Biblioteca Nacional)


(Nota: original em Língua Portuguesa)

Debido a una de aquellas paradojas en las cuales la historia es fértil, tal vez no haja existido jamás alguien tan sensible a la arquitectura de las bibliotecas como Jorge Luis Borges, un ciego. En general, las bibliotecas y el saber que en ellas se guarda se asocian a una especie de lucha contra la voracidad del tiempo. En si mismo, el escrlbir es fijar algo, de manera que posibilite la comunicación con alguien que no está presente, o que se desconoce porque ni siquiera aun vive. Sin embargo, los materiales donde se escribe son siempre vulnerables, se pierden y corrompen el pasar de los anos. Por eso, las bibliotecas constituyen algo asi una segunda linea en ese combate por la preservación de lo que se ha registrado y perdura con el documento. Burlar el tiempo, guardar, para posibles lectores que vendrán en el futuro, copias de mensajes que de otra forma desaparecerian, ha sido siempre esa la función de las bibliotecas. Fue para eso que, según la leyenda, Heraclito de Efeso entregá sus obras en el templo de Artemisa, intentando de esta manera insuflarles el halo de inmortalidad que auguraba el estar cerca de la diosa. Las biblio­tecas, sin embargo, a la par con su relación con el tiempo, se recortan en la imaglnación de las civillzaciones tamblén como espacios, construcciones más o menos grandiosas, donde la búsqueda de una figuración sensible del saber y de los libros, con todo su peso mitológico y su variación por épocas y estilos, muchas veces, sobrelleva la inmediata funcionalidad. Los cuentos de Borges están impregnados de figuras de este tipo, disenos que se insinúan, en lo fantástico de su geometría, como esbozos de improbables edifícios donde se alberga las ilimitadas ganas de saber de sucesivas generaciones.

El saber se ampará, primero, en la intimidad de los templos, un espacio prohibido a los profanos. Algunos milenios después, ya en nuestros dias, comenzó a soltarse de las hojas de papel, tal vez el último de los materiales con el cual se hicieron libros y se difunde adora en la inmensidad de océanos virtuales, un espacio sin limites y, por esa razón, sin arquitectura. Durante ese tiempo, existe la historia de las bibliotecas, Y la historia de las bibliotecas, ese intervalo entre el misterio de los templos y la inmaterialidad de la Red, se traduce en una sucesión de modelos espaciales, todos ellos animados por el vértigo de guardar entre sus paredes todo lo que el mundo significa, arreglarlo al correr de sus galerias, organizarlo según la idea que los arqui­tectos tienen de él. La imaginación de Borges sintetiza lo esencial de ese projecto, en cualquiera de sus múltiplos y sucesivas configuraciones: «El universo (que otros llaman Biblioteca) se compone de un número indefinido,y tal vez infinito, de galerias hexagonales, con vastos pozas de ventilación en el medio, cercados por barandas bajísimas (...) La biblioteca es una esfera cuyo centro cabal es cualquier hexágono, cuya circunferencia es inaccesible,»

Semejante projecto, en toda su ambición desmedida y babélica, vio la luz la primara vez en Alejandria, la ciudad expresamente fundada para atraer a gente y hacer converger y acumular saberes de toda parte del mundo en un único espacio: la bi­blioteca, Antes, ya habia bibliotecas. En Mesopotamia, en China, en Índia, en el mismo Egipto, ya habia constituido y guardado sus colecciones, más o menos extensas, más o menos envueltas en magia, en senales inscritas en baldosas, papiros o pergaminos Pero eran, sobre todo, colecciones que hoy llamaríamos nacionales, devotas a la cultura con la que se identificaba cada uno de esos pueblos, lo que explica también el carácter sagrado que se los atribuía y el misterio que las rodeaba, En Alejandria, por el contrario, se buscaba la universalidad, el conocimiento por el conocimiento, y por eso se acumulaban y se cruzaban saberes, fuese cual fuese la latitud o la cultura de la cual eran originarios. En las salas y corredores de su mitica bi­blioteca, se amontonaban por millares los rollos de pergamino, venidos de los cuatros rincones del mundo y escritos en la más diversas lenguas. Ahí eran catalogados, estudiados, comparados, traducidos. Se ignora la localización exacta y la forma arqui­tectónica que presentaría ese primor intento de poseer el universo, dominando y descifrando su representación en los libros. Se presume solamente que se erguia no muy lejos del puerto, abierta al vaivén de los barcos que cruzaban el Mediterráneo, trayendo a menudo, apretados entre las más diversas mercancias, nuevos rol los y volúmenes.

La biblioteca de Alejandria ardió, o fue destruida, no se sabe, pero el sueno de reunir la inmensidad de los textos en los cuales el mundo se desdobla y desvenda, bajo grafias y lenguajes diversos, perdurá hasta nuestro tiempo, recuperada por el huma­nismo del Renacimiento. A inicios del siglo XVII vemos generalizarse el modelo que preside las bibliotecas modernas, imbuídas, no sólo por el gusto de coleccionar, pero también, y sobre todo, por la noción de que el saber es algo que solamente crece com­ partido. En la Edad Media, los libros llegaron a atarse con cadenas y candados, ya sea porque eran objetos raros o porque con­tinuaban siendo asociados a un saber que los copistas reproducían en el silencio de los monasterios, paralelamente con lo sagrado, exactamente como en las civilizaciones más antiguas. En el humanismo, por el contrario, se afirma una nueva clase de gente, la burguesia intelectual, formada por esa institución europea que es la universidad, através de la cualla pasión por los libras se reinstala, convencida ahora de que la ciencia es algo siempre por terminar, algo que se hace por la confrontación entre lo nuevo y lo viajo. Las bibliotecas públicas surgen para corresponder a esa nueva actitud: la de la Universidad de Coimbra, que en 1597 aumentaba a sus estatutos un parágrafo en el que asumia expresamente esa condición; la Bodleiana, de Oxford, abier­ta en 1602; la Ambrosiana, de Milán, en 1609, la Angélica, de Roma, en 1620, la dei cardenal Mazarin, de París, en 1643, y asi suce­sivamente, un poco por todo el mundo de las letras, hasta llegar a esa metáfora viva que es la Biblioteca del Congreso, abierta en 1800, en Washington, donde el saber y el poder del pueblo se dan las manos, como si de hecho, a la democracia le fuese imposible pensar sin la mediación de ese nuevo instrumento que son las luces de la razón reflejadas en los libros.

Marcadas por el gusto arquitectónico de la época en que van siendo construidas, lo que sobresale en cada una de estas bibliote­cas, más que su adecuación funcional, es la forma como alias se incorporan y aprovechan una determinada idea del saber. La mayo­ria deveces son espacios monumentales, construidos de raiz sobre lo que restaba de un antiguo palacio, ostentando en sus paredes frontones, a la parcon uno u otro busto de mecenas que ahi encuentran la inmortalidad posible, esculturas con alegorias de las artes y las ciencias, dándose las manos en un concierto barroco de querubines y diosas en equilíbrio inestable sobre pilas de libros u hoje­ ando páginas donde se pueden ver leyendas que consagran las virtudes del saber. Sin embargo, allí dentro, en el interior de esos monumentos donde se celebra, en simultáneo, lo que quedó del pasado y la creencia en el progreso, quetiene lugar lo más auténti­co de las bibliotecas. Es alli que el silencio se impone, un silencio que es reminiscencia del secreto y de los misterios que hacían parte del mundo de los templos, donde estaban antes los libros, pero que continúa ahora justificándose como condición de lectura. El silencio es, por decirlo de alguna manera, el elemento de las bibliotecas, el objetivo primordial de la arquitectura que a ellas se dedica. Todo el diálogo que alli se entabla es entre los autores y sus lectores, por interpuesto volumen, y para que él sea posible es necesario que lo principal dei espacio de las bibliotecas públicas inspire y cultive el silencio. Es evidente que hay cuestiones que resolver y que hay otros menesteres y actividades que se desarrollan en el edifício de las bibliotecas. Sin embargo, nunca se debe perder de vista ni perturbar lo esencial, aquello para lo cual ellas existen y que es ese momento de auténtica revelación que la ledura puede ofrecer y que sólo en el silencio se acostumbra a dar. Tal como en los teatros, pero por razones exactamente opuestas, hay en las bi­bliotecas un problema de acústica, para cuya resolución no bastan las regulaciones y que, por eso mismo, convoca la arquitectura.

Al lado de los espacios dedicados a la consulta,están los espacios donde se guardan los libros. Hasta hace no poco tiempo, las dos funciones estaban contíguas. En las grandes bibliotecas que conocemos de la antigüedad, las estanterias forran totalmente las paredes, en medio de as cuales se cuelgan galerias que dan acceso a los estantes mas elevados. Cercadas por esos millares de lomos, con encuadernaciones más o menos lujosas, se enfilan llas mesas y las sillas, que son, muchas veces, muebles de estilo. Alrededor, reina un cierto tipo de solemnidad, austera pero sin convencionalismo, sobre la cual se derrama, timidamente, una luz colada por los vitrales de las claraboyas y de una u otra ventana. Porque tenemos también un problema de luz en las bibliotecas. Es necesario, por un lado, no afectar el ambiente de serenidad y de reflexión en los salones de ledura, por otro, no agredir la fragilidade los materiales con los cuales están hechos los libros. Pero, hoy en dia, por lo menos en las grandes bibliotecas, ya no existe esa cohabitación de la curiosidad de los ledores con la multitud detítulos visibles en los lomos, y los primeros pasos en la peregrinación ai saber se dan en esa antecámara que son los variados tipos de catálogos, Los libros, reposan en sótanos blindados o en torres inac­cesibles a los legos, permanentemente vigilados y protegidos para que ningún exceso de luz o de humedad los ponga en riesgo.

Entramos asi en un nuevo género de biblioteca, donde el espacio se ramifica, ya no solamente como antes, en réplica de la arborescencia en la que se representaba el saber medieval, poro en resultado de sucesivos desenvolvimientos de las funciones que se desenlazan en su interior. Hacia atrás, crecen los depósitos, para acoger cada dia más documentos, y además el arsenal de tecnologías destinadas a reparar aquellos que se van deteriorando, en un afán de coleccionar y preservar siempre más especies.Hacia adelante, a su vez, se multiplican los salones de lectura, a los que se anaden chora los centros audiovisuales y multimedia, ai mismo tiempo que se crean nuevas puertas de acceso, reales o virtuales, y nuevas llaves para que ellector pueda, lo más rápi­damente posible, obtener la información que busca. Las bibliotecas tienen cada vez más una vocación de laboratorios, fábricas donde se acondicionan y preparan de mil maneras y en soportes cada vez más sofisticados, los restos del pasado y del presente para la posible curiosidad del futuro. A pesar de eso, como observa George Steiner, refiriéndose a la British Library y a la Bibliothéque François Mitterrand, las más recientes de las grandes bibliotecas, «ellas son, en gran medida, mausoleos suntuosos a los que se asocia, a pesar de su arquitectura modernista y afirmativa, un aura de sepulcro, de inmovilidad solemne, insepara­bles de su propio concepto de museo y de archivo», Mientras que, como anade Steiner, su actividad nos hace recordar a una especie de «centauros, con mitad de santuarios y mitad de futuroscopios». Pero las tecnologías de producción, almacenamien­to y circulación del saber vaticinan un desequilibrio cercano a este cuerpo ambivalente. Y llegará, tal vez, un dia en el que sola­mente la segunda de las mitades dei centauro sobreviva, no quedándole a la primera otra función que no soa la de simple testi­go de lo que fueron, y de los que aún son hoy, las bibliotecas. En ese momento, estarán seguramente más cercanas a lo que alguna vez estuvieron de contener todas las representaciones del universo y todas sus combinaciones posibles. La Biblioteca de Babei ya se dibuja en el horizonte, aunque soa, por ahora, imposible prever, o siquiera imaginar, su forma arquitectónica. "