segunda-feira, março 05, 2007

Diário do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana, Saad Eskander. Janeiro e Fevereiro (até dia 12).


Em finais de Dezembro afixei um post, com o diário (por mim traduzido) do Director da Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana (INLA), Saad Eskander. O Director tem cedido o seu diário à British Library que o tem publicado regularmente.

Relativamente ao mês de Janeiro não vou realizar uma tradução integral das passagens do Diário mas vou citar e resumir alguns momento mais relevantes:


O ambiente geral terror, raptos, destruição, assassínios, etc, manteve-se no novo ano de 2007. Mesmo na semana sagrada do Eid (1 a 6 de Janeiro) o clima geral de violência e destruição não acalmou.

No dia 9 de Janeiro as tropas americanas e a Guarda Civil iraquiana resolveram tentar ‘limpar’ a Rua de Haifa, junto à qual se encontra Biblioteca e Arquivo Nacional Iraquiana (INLA), de grupos de terroristas. Todos o pessoal da INLA teve de ser evacuado de emergência e a Biblioteca esteve encerrada até dia 13 de Dezembro, abrindo a 14. Encerrou de novo a 18, devido a bombardeamentos na área.

Dia 20 o irmão de uma funcionária da biblioteca foi assassinado por um sniper. Dia 23 dois técnicos foram raptados e depois libertados (sem ferimentos). Um irmão e um primo do coordenador da secção de restauro foram assassinados. Um irmão e pai de um outro funcionário foram feridos. Dia 25 o supervisor do “Baghdad memory Project” perdeu o filho.

Dia 23 novo ataque tropas americanas e da Guarda Civil iraquiana à Rua de Haifa e novo evacuação da INLA de emergência. Ao longo do mês muitos funcionários e bibliotecários receberam ameaças de morte com o objectivo de abandonarem as suas casas; e na zona envolvente da INLA sucederam-se muitos tiroteios e bombardeamentos.



Entretanto o brasileiro "Globo Online" traduziu passagens do Diário relativas a Fevereiro (dia 3 a dia 12), com uma introdução inicial:

"Saad Eskander é diretor da Biblioteca Nacional do Iraque, em Bagdá, mas nem sempre está ocupado pondo ordem em arquivos e catalogando documentos. Este curdo-xiita, de 44 anos, dedica boa parte de seu tempo esquivando-se das explosões que assolam diariamente a capital iraquiana e tentando evitar que o seqüestrem — enquanto ainda tenta driblar as constantes faltas de luz em sua biblioteca ou assegurar que, durante pelo menos uma hora por dia, tenha conexão à internet.

Graças à rede, Eskander envia, desde Dezembro de 2006, um relato diário sobre a situação do Iraque à Biblioteca Britânica, em Londres, que pode ser lido por meio do endereço: www.bl.uk/iraqdiary.html.

Com uma linguagem simples, o bibliotecário em seu blog descreve com a mesma serenidade o horror dos ataques, a visita a um ministro ou suas conversas com familiares.

A biblioteca que dirige foi saqueada e queimada por iraquianos logo depois da invasão americana, em 2003. Cerca de 60% do acervo, 95% dos livros raros, foram levados ou destruídos. Desde então, Eskander gerencia o que sobrou dela e tenta reconstruí-la, com a ajuda da Biblioteca Britânica. Apesar de tudo, Eskander diz que quer ficar no Iraque.

— Creio no futuro democrático deste país. Se formos embora, ganha a violência — afirma, numa entrevista ao “El País” pelo telefone.

A seguir, relatos da vida de Eskander sobre alguns dias do mês de fevereiro:

Sábado, dia 3 de Fevereiro: “Um dia sangrento, um dos mais sangrentos já ocorridos em Bagdá. Um caminhão explodiu num mercado, matando mais de 150 pessoas. Um funcionário da biblioteca ficou ferido, o outro perdeu um primo.”

Domingo, Dia 4: “Outro dia ruim. Uma explosão do lado de fora fez tremer nosso edifício. Ficamos presos aqui por horas. Quando saímos, vimos uma carnificina e alguns carros completamente destruídos.”

Segunda, Dia 5: “A luz está sendo cortada a todo o momento. Fui ao Ministério da Energia tentar persuadi-los a deixar a Biblioteca Nacional de fora do programa de cortes (que estabelece um máximo de entre duas e três horas de eletricidade por dia). Meu pedido foi negado pelo ministro. Agora não me resta nada a fazer, senão pressionar o Ministério da Cultura para que consertem nosso gerador. No meio da manhã, soube que o irmão do senhor K. (do departamento de catalogação) morreu. Às 14h, um grupo de homens atacou o bairro onde vivo. Muitos mortos, feridos, civis, inocentes... Depois, fui visitar um primo meu, ferido num ataque há duas semanas. Foi um dia triste.”

Terça, Dia 6: “Nenhuma explosão nem disparos. Repassei a lista dos funcionários ausentes da biblioteca e me dei conta de que o senhor M. está desparecido desde a explosão de sábado. Recebi a visita de um conhecido ator, que queria que alugássemos nosso teatro para um filme. Prometi ceder-lhe o espaço de graça porque estamos de acordo que é preciso continuar promovendo atividades culturais du$os tempos difíceis.”

Quarta, Dia 7: “Ainda sem notícias do senhor M. Começamos a achar que ele morreu no atentado de sábado e ninguém achou seu corpo.”

Quinta, Dia 8: “Dois funcionários nossos (um xiita e um sunita) se ofereceram-se para procurar o senhor M. na área do mercado bombardeado. Disse que não, que era perigoso, mas eles foram mesmo assim. Uma hora depois, a senhora B. entra em meu escritório, chorando muito. Homens armados seqüestraram nosso funcionário xiita, libertaram o sunita quando $sua etnia. Mais tarde, o corpo do xiita foi encontrado num beco. À noite, meu irmão me ligou de Londres para saber como andam as coisas. Ele mostra-se otimista em relação ao novo plano de segurança para Bagdá, crê que trata-se da última oportunidade para nós. Se não funcionar, me diz ele, será o fim de um país e a escalada de uma guerra civil sem precedentes.”

Sábado, Dia 10: “O ser humano não é perfeito. Não há mais notícias sobre a execução do bibliotecário nem do senhor M. Decido formar um comitê para investigar o caso. Me dou conta que, hoje em dia, em Bagdá, o ser humano perfeito seria aquele capaz de desconectar todos os seus sentidos. Ser cego e surdo não seria uma maldição neste país, e sim uma bênção.”

Domingo, Dia 11: “O trânsito está caótico, muitos guardas americanos e iraquianos nas ruas, que levantaram vários postos de controle e fecharam as principais ruas da cidade. O senhor M. reapareceu, mas não deu nenhuma explicação sobre onde esteve. A senhora M. ligou para dizer que não vem trabalhar hoje porque uma bala perdida matou sua filha. O marido dela e dois outros filhos haviam sido seqüestrados duas semanas atrás, mas foram libertados.”

Segunda, Dia 12: “Antes levava quatro minutos para ir da minha casa ao escritório. Agora, levo entre 20 e 25 minutos por causa do excesso de postos de controle, fechamento de ruas e atentados terroristas. Para chegar ao escritório, passo por quatro postos de checagem. Bagdá se parece cada vez mais com um quartel. Uma outra funcionária pede demissão, dizendo que deixará Bagdá com sua família e se mudará para o sul. Desejo-lhe boa sorte. Meu irmão me liga de novo de Londres, me sinto culpado pela dor e pela ansiedade que minha decisão de permanecer em Bagdá provoca nele e em minha irmã, que vivem no exterior. Todos os dias eles me suplicam para que eu saia daqui.”




Autoria do quadro: Saad Eskander

Sem comentários: